Artigo de Opinião por Laura Vendruscolo.
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Crianças Butanesas Sorrindo | Pixabay
Localizado em meio as Cordilheiras do Himalaia e próximo a grandes centros populacionais como China e Índia, o Reino do Butão é o resultado da unificação de pequenos feudos, ocorrida ainda no século XVII e é conhecido atualmente por sua política peculiar. A principal preocupação nacional não é o desenvolvimento econômico, como na maioria dos países, mas o grau de felicidade e satisfação da população, avaliado pelo índice de Felicidade Interna Bruta (FIB). A substituição de uma vida baseada no consumo e produção pelo isolacionismo cultural e valorização das tradições e da harmonia deu ao reino o título de país mais feliz da Ásia em 2006.
A ideia de perseguir a felicidade foi proposta pelo recém-rei Jigme Singye Wangchuck, em 1972. O conjunto de assessores e o próprio monarca definiram que as bases dessa política estariam no desenvolvimento econômico sustentável, na conservação do meio ambiente, na preservação da cultura e na “boa governança”. Assim, a fim de alcançar o objetivo foram estabelecidas uma série de medidas que, aos olhos de diversos analistas, restringem as liberdades individuais da população, como a proibição do tabaco, da pesca, do abate de animais e até mesmo o uso de sacolas plásticas; a obrigação de usar vestimentas tradicionais budistas e praticar somente a religião oficial, o budismo.
Por outro lado, o governo butanês instituiu um forte controle sobre o desmatamento, formalizando na Constituição de 2008 que 60% das florestas deveriam ser preservadas, caracterizando-se como o único país do mundo a ter uma taxa negativa de carbono, isto é, que absorve mais CO2 do que emite. Como consequência dessa lei, as atividades turísticas na região também são restringidas e o número de visitantes não deve ultrapassar números muito altos, em 2018, por exemplo, apenas 75 mil pessoas tiveram acesso ao local. De acordo com o monarca, essas deliberações têm intuito de conservar tanto a natureza quanto a cultura e as tradições regionais.
Ademais, é importante destacar que até meados do século XX, o Butão permanecia quase que completamente isolado do restante do mundo, situação facilitada por sua geografia, mas também alimentada pela vontade dos governantes. Foi somente a partir da década de 1950, com a proibição da escravidão, que as transformações começaram a ser palpáveis, mesmo que a ritmo lento. Em 1973, o rádio começa a ser transmitido no país e em 1988 ocorre a primeira transmissão de televisão, transmitindo a final da Copa do Mundo de futebol em uma praça. Um ano mais tarde há a estreia do primeiro canal televisivo butanês e inicia-se a popularização dessas telas, ainda em 1999, a internet discada se faz presente no país.
Além das mudanças tecnológicas, vê-se uma notável iniciativa por parte do governo em oferecer uma política mais participativa a população. Exemplos disso são a substituição de um governo absolutista para uma monarquia parlamentar; a consulta pública sobre a aprovação ou não da primeira constituição do país; bem como a oferta educacional pública e gratuita, visando principalmente reduzir as taxas de analfabetismo e, assim, facilitar o ingresso na vida política. Nesse contexto, percebe-se que um dos grandes dilemas enfrentados pelas instituições butanesas é de que maneira é possível conciliar a necessidade de acompanhar o mundo externo, em certo grau, mantendo ao mesmo tempo os níveis de felicidade elevados?
Tendo isto em vista, o Centro de Estudo do Butão estipulou nove áreas para medir a satisfação da população e propor medidas mais eficientes, são elas: o padrão de vida, indica a renda per capita e a qualidade dos serviços e bens oferecidos; a boa governança, relacionado à visão da população para com o governo; a vitalidade da comunidade, avalia a confiança entre os próprios cidadãos; o uso e equilíbrio de tempo, mostra quanto tempo é dedicado a cada atividade; a saúde da população; a vitalidade e a diversidade do ecossistema, avalia a qualidade da água, ar, solo e biodiversidade; a vitalidade e diversidade da cultura, qualifica a dedicação as crenças e aos costumes; a educação, indica o acesso as escolas e faculdades; e, por fim, o bem-estar emocional, o qual tenta mensurar o grau de satisfação e otimismo pessoal.
Diante desse cenário, depreende-se que os esforços coletivos pela busca da felicidade podem gerar tantos efeitos positivos, como o desenvolvimento sustentável e a participação política, quanto negativos, como restrições aos direitos individuais em vista de “um bem maior”. Nesse sentido, é necessário analisar até que ponto as medidas propostas trazem, de fato, a felicidade individual e coletiva, e se essas políticas têm funcionalidade a longo prazo, dada a intensificação das redes. Assim, percebe-se que, ao mesmo tempo, o reino butanês caracteriza-se como um exemplo em diversos aspectos, sobretudo pelos avanços políticos e ambientais, perduram barreiras a serem transpostas e a harmonia a ser preservada.
Laura Vendruscolo, Acadêmica de Relações Internacionais na Universidade Católica de Brasília.
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